Quando a ansiedade passa dos limites vai se instalando com tamanha intensidade que deixa de ser aquele hábil pássaro mensageiro que vem avisar dos perigos do mundo e resolve fazer ninho na cabeça e no coração.
O hábil pássaro sempre dizia: “se prepara para o que há de vir”. E sempre contribuía com a preparação. Ora trazendo ramos e barro para tapar algum buraco no telhado que ameaçava encher a casa de água da chuva, ora trazendo flores para enfeitar a roupa quando havia apresentação musical na praça da cidade. Outrora trazia pena para a caneta que escrevia e assinava os trabalhos. E por vezes trazia sementes para incrementar o pão e ervas para fazer o chá quando havia visitas. Se à casa viessem malfeitores, o pássaro estava pronto para voar e chamar os amigos e os vizinhos para a defensiva. O pássaro sabia que contar com a ajuda de uma confiável comunidade afastava o assombro de aniquilação. O corpo e o coração moravam naquela casa e em meio aos afazeres diários escutavam os sinais que o hábil pássaro ansioso dava e se aprontavam previdentemente.
Mas não era só o hábil pássaro mensageiro da ansiedade que vinha trazer suas mensagens. A janela estava aberta pra receber outros pássaros amigos, com muitas outras cores, que também vinham trazer suas notícias. Os pássaros verdes traziam esperança. Os amarelos contavam histórias alegres. Os azuis eram pura serenidade, traziam notícias dos voos mais altos, e os pássaros rosas abriam as portas para os causos de amor. Naquela casa entrava e saia uma passarada só! Havia dia que o pássaro ansioso fazia coro na janela com as alegrias e com os amores. Mas depois cada um ia para um canto. Eram livres. E os pássaros se empoleiravam nas árvores e voavam para longe da janela e ali se fazia o silêncio.
Com o tempo, por algum motivo, que deve estar escrito e perdido lá no fundo do coração em meio a tanto papel, os fluxos foram se alterando. Alguma coisa aconteceu naquela casa. Alguma coisa aconteceu na cabeça e no coração. Alguma coisa aconteceu ao mundo; não que não acontecesse, na verdade, sempre aconteceu. Mas nesta casa começou a ser diferente.
Os pássaros não se davam mais uns com os outros. Quando não havia notícias para levar não sabiam o que fazer, ficavam sem sentido e direção. Quando havia muitas notícias, as cartas eram jogadas pela janela, algumas se perdiam, outras iam direto para o fundo do baú e isso trazia grandes problemas de comunicação. Também não se sabia ao certo se nestes tempos havia menos notícias esperançosas, alegres, serenas ou amorosas no mundo, mas fato é que os outros pássaros coloridos não vinham mais com tanta frequência trazer suas mensagens. Também não se sabe ao certo como se deu, mas o corpo e o coração começaram a privilegiar as notícias trazidas pelo pássaro ansioso. A janela foi ficando menos colorida, afinal, se os outros pássaros apareciam não eram tão ouvidos como antes.
O hábil pássaro ansioso foi ficando mais ansioso do que costumava ser e começou a dar sinais de que a ansiedade passava dos limites. Era tanta notícia trazida pelo pássaro ansioso que atazanado não sabia mais se aquelas notícias que andava carregando de um lado para o outro eram realmente úteis àquela janela e se aquilo tudo que trazia nas cartas ia realmente acontecer. Por via das dúvidas, levava tantas quantas notícias achava necessário, com certa obsessão. Havia notícias que eram muito pesadas para carregar, ele ficava aterrorizado voando baixo quase tocando o chão. Atazanado, o pássaro ansioso não conseguia pensar de forma amena e não contribuía mais de forma hábil com as preparações, ora não encontrava ramo, barro, semente, ou erva para levar à casa, ora exagerava nas proporções. Com tudo isso que estava acontecendo dentro e fora, no mundo, e diante das perspectivas de futuro, a cabeça e o coração passavam muito tempo preocupados e acabavam passando os dias lendo as cartas trazidas pelo pássaro ansioso e não conseguiam se concentrar em suas outras atividades. Sentindo-se impotentes tentavam estratégias para proteger a casa, ou meios de fugir dali.
As notícias eram muitas, a seleção das notícias eram pacas, a atenção dada a elas não dava espaço para outras coisas. A casa sentia-se desprotegida e insegura. Os pássaros estavam confusos. Parece que não havia mais confiança. Se fosse necessário chamar alguém, não se sabia em quem confiar, e não se chamava ninguém.
O pássaro ansioso estava sempre entrando e saindo pela janela… Era muito visto por ali ao pôr do sol, aos domingos à noite, e quando se ia dormir. Um dia ficou tão assustado que preferiu não mais voar para fora da casa. Era tanto galho para carregar que resolveu fazer ninho ali mesmo na cabeça e no coração. Estes não se deram conta do feito, embora acreditassem que a solução para os problemas era fechar a janela. E fecharam! Nenhuma outra notícia entrou ali. Ao pé do ouvido, o pássaro ansioso falava o dia todo na cabeça, que olhava ao redor e via que estava tudo muito estranho. Com nó na garganta falhavam as melodias que o pássaro ansioso habilmente costumava cantar, mas agora sem voz e sentindo-se sem ar acabava bicando o coração a procura da janela para respirar. Sem poder voar, não tinha e nem sabia a quem chamar, ficou ali, ansioso. E foi assim, até que um dia…