Tradições Familiares

Todo domingo depois do almoço é um momento em que as mulheres da minha família se reúnem espontaneamente para fazer as unhas e conversar. Hábito que se tornou tradição e vem com afetos que preenchem com cuidado. Fazer as próprias unhas ou as unhas umas das outras é algo forte entre nós. Habilidade que eu desenvolvi cedo na vida. As novas gerações já se acercam deste hábito com gosto. Quem diria? Eu me lembro de muitos momentos da infância em que ficávamos ao redor das tias fazendo as unhas na mesa da varanda ou da cozinha… e já estive com minha sobrinha naturalmente a fazer unhas na varanda e na mesa da cozinha. Vejo que este costume é alegre, é amoroso, é convivência e autocuidado e me faz bem e faz bem às mulheres. Eu gosto disso!

Tradições familiares, temos nos dado conta de como elas estão presentes em nossos dias? Aqueles costumes, hábitos e crenças que vão se repetindo e vão se consolidando ao longo do tempo e acabam sendo mantidos e transmitidos. Certas tradições tem o poder de unir a família, de trazer o sentimento de pertencimento, e vão formando laços fortes em que ficamos ligados com intimidade e afetividade. As tradições nos fazem sentir que aqueles costumes fazem parte de nós, são íntimos a nós. E podemos nos identificar com essas tradições ao ponto delas comporem a nossa identidade e configurarem a forma como pensamos, agimos e nos posicionamos no mundo – a personalidade, e um pouco de quem nós somos. Há tradições integradoras e benéficas, nos configuram na mente com beleza e transcendência, sentimos orgulhosos de pertencermos a elas, fazemos questão de criar memória, para mantermos vivos os afetos, e a história que nos engrandece e nos liga uns aos outros com satisfação.

Em contrapartida, há também tradições que são avessas ao nosso modo de pensar e agir, e ao invés de nos identificarmos com elas, elas nos parecem estranhas, não nos correspondem, não nos preenchem. Podemos nos sentir como peixes fora d’agua e confusos, com dificuldades de nos  compreendermos, dificuldades de nos relacionarmos. E por querermos romper com estes costumes e crenças acabamos nos afastando das pessoas. Certas tradições não são bases em que podemos nos apoiar. E este estranhamento ou discordância pode nos levar a questionar e a romper para buscarmos o que vale a pena para nós. Romper também pode ser parte importante do processo de nos construirmos em quem somos e quem desejamos ser. Faz parte do crescer romper com alguns costumes ou crenças para adquirirmos outros e ampliarmos horizontes. As vezes podemos incorporar as tradições que não nos correspondem apenas pelo desejo de pertencimento à nossa família e isso nos faz agir com inautenticidade. Há tradições que nos machucam e podem aprisionar. É preciso muita auto-observação e consciência para escolher nos desligar disso que não nos representa. Romper nem sempre é fácil, pode vir com muita dor, muita confusão e conflitos. É conflituoso nadar na direção contrária. Podemos achar que estamos perdendo nossos elos de ligação… Talvez não queremos perder nossas ligações, mas somente não queremos carregar mais aquelas tradições… Não é fácil!

É um alívio romper e viver diferente daquela tradição que não nos representa. Mas é também apaziguador pertencer a tradições que revigoram com bons afetos nossos dias, criam encontros, fortalecem nossas convivências. No compartilhar trocamos, nos renovamos e nos abastecemos.

E as perguntas que ficam são: temos ciência dos costumes e hábitos que não nos representam?  Temos conseguido romper sem necessariamente desfazer os laços afetivos e a convivência? Para romper é necessário distanciar fisicamente das pessoas? Temos conseguido compreender nossa história, exaltar o que é bom, desfrutar das tradições que nos correspondem e nos tornam vivos de afetos?

Ana Terra Araújo

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